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Cristiano Roque Antunes Barreira é Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Marina Massimi é Doutora, é Professora associada da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
Resumo
O karate é uma forma de luta com origens remotas, pouco conhecidas e marcado desenvolvimento na ilha de Okinawa do arquipélago japonês. Outrora praticado às escondidas, no século XX Gichin Funakoshi tornou-o público e o difundiu. Partiu de Funakoshi a denominação karate-do, "o caminho das mãos vazias", que dá um caráter doutrinário à arte que deveria servir, mais do que como mera forma de luta, ao desenvolvimento da personalidade. Procura-se fazer um resgate teórico das idéias psicopedagógicas e da espiritualidade próprias do karate sob a luz dos paradigmas culturais de maior influência no pensamento de Funakoshi. Observa-se claramente a influência e complementaridade entre confucionismo e zen-budismo além da herança prática do bushidô que permitem compreender o pensamento de Funakoshi acerca da espiritualidade e transmissão do conhecimento.
Conclusão
Nas idéias de Gichin Funakoshi sobre a prática como forma de educar, está a concepção de que a aprendizagem e o desenvolvimento dependem não só do intelecto (é importante destacar a relação de equilíbrio mente/corpo), mas da prática assídua e da própria experiência mental e física, incluindo-se aí a agonia proveniente dos treinamentos. Nos resultados foram expostos os conceitos de desenvolvimento que são baseados intrinsecamente no zen-budismo. Verificou-se também que, de acordo com o zen-budismo, o desenvolvimento espiritual dispensaria atribuições morais, pois essa natureza de valores surgiria naturalmente como decorrência do crescimento interno. Nesse sentido não deveríamos tomar a intensa recorrência à moralidade por parte de Funakoshi como contraditória? A educação de Funakoshi foi baseada principalmente no confucionismo - que é uma doutrina moral - portanto nada mais natural esperar-se que a moralidade fosse centro de seu ensinamento. De acordo com Sasaki (1995), Funakoshi procurou um mosteiro zen-budista a fim de dar este fundamento à prática do karate. Desse modo, a especificidade do zen no karate de Funakoshi parece ser posterior à do confucionismo. Apesar disso, esse não é o único nem o principal motivo da ênfase na moralidade ao invés da ênfase no desenvolvimento espiritual, que naturalmente levaria à moralidade. A própria luta e, muitas vezes, as intenções de se fazer uso do karate em lutas, parecem ser causas que explicariam a exigência de um controle mais urgente - o inculcamento de regras morais - do que o longo processo espiritual que levaria à geração espontânea de moralidade. Assim, o zen fica como fundamento para o crescimento interior, não baseado na moral e não podendo substituí-la a tempo de evitar possíveis maus usos do karate. A moralidade confuciana substitui as rígidas regras dos mosteiros zen budistas, que servem como forma de contenção pré-iluminação de possíveis atos inadequados que pudessem vir a ser realizados em nome do zen. Dessa maneira, poder-se-ia supor que, após dezenas de anos de experiência, Funakoshi tenha reconhecido que a moralidade, pura e simplesmente, fosse um paliativo indispensável para favorecer o longo processo no qual esta surgiria como fruto do desenvolvimento espiritual almejado por um karate tido como modo de vida. O Zen está ainda conceituando aprendizagem, atuações didáticas e experiências internas.
Considera-se também que para apreender-se a realidade tal qual ela é verdadeiramente, seria preciso que houvesse um desprendimento mental. O karate poderia, através do treinamento, desenvolver a correta apreensão da realidade. Essa dita liberdade poderia ser expressa na luta e se daria em dois âmbitos, o do pensamento e o da emoção. Experimentar em treinamento dificuldades físicas e agonia enfrentando-as e superando-as, favoreceria enfrentar semelhantes experiências com mais facilidade em ocasiões diferentes. Esse é o modelo mais demonstrativo do valor de manter-se preparado e em constante aperfeiçoamento. O treino exaustivo e as lutas emocionalmente perturbadoras servem de experiência para se colocar em prática um modelo de como lidar na vida com essas mesmas situações. A perturbação emocional não deve ocorrer, deve-se manter um equilíbrio mental a fim de que as emoções, não vindo a ser nem extremamente positivas nem extremamente negativas, não chegassem a interferir na ação e na percepção da realidade. O pensamento preso a preconceitos - derrotistas, por exemplo - também é um elemento capaz de interferir na percepção da realidade externa. O pensamento e a emoção deveriam estar em acordo com a realidade, de forma a não interferir em sua apreensão, sendo o controle sobre esses dois elementos a garantia de adequação ao real mesmo quando se trata com o desconhecido. Assim, em última instância é a aceitação da morte (que poderíamos chamar no Ocidente de o maior desconhecido) sem medo, tendo-a como continuidade não dualística da vida, o mais importante passo para uma vida mentalmente desprendida. Após superado este medo, qualquer outro apego a valores torna-se pequeno e superável, qualquer ação torna-se fácil pois a emoção paralisante foi superada.
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