quinta-feira, 6 de março de 2008

Napoleão, O Brasil e o Karate

Napoléon Bonaparte no alto de sua bravura

O ano de 2008 é particularmente significativo para o Brasil. Comemoramos 200 anos da fuga da família real portuguesa à colônia, na companhia de 10 mil cidadãos influentes na corte. Tudo ocorreu cem anos antes da chegada dos japoneses e do karatê e provocado por um dos maiores guerreiros da história Napoleão Bonaparte.

A Revolução Francesa (de 1789 a 1799), foi a oportunidade perfeita para Napoleão Bonaparte alcançar seu objetivo maior. Tornou-se general aos 27 anos, saindo-se vitorioso em várias batalhas na Itália e Áustria. Sua estratégia era fazer com que seus soldados se considerassem invencíveis. No ano de 1798 ele seguiu em embarcação para o Egito, com o propósito de tirar os britânicos do percurso às Índias. Ele foi muito bem quisto por seus soldados e por grande parte do povo francês. Seu poder foi absoluto após ter sido nomeado cônsul. No ano de 1804, Napoleão finalmente tornou-se imperador. Com total poder nas mãos, ele formulou uma nova forma de governo e também novas leis. Visando atingir e derrotar os ingleses, Bonaparte ordenou um Bloqueio Continental que tinha por objetivo proibir o comércio com a Grã-Bretanha. Um dos efeitos foi a fuga da corte portuguesa ao Brasil.


Ao transferir a corte portuguesa para o Brasil, Dom João VI efetivamente inventou um país. Até 1808, o Brasil não passava de uma colônia extrativista, que sustentava uma monarquia atrasada e absolutista, com os dias contados na esteira das grandes modificações iniciadas com a Revolução Francesa de 1789 e as guerras napoleônicas, que reescreveram o mapa de poder na Europa. Quando retornou a Portugal, em 1821, deixando o seu primogênito, D. Pedro I, como príncipe regente, o panorama do país havia mudado radicalmente. Era o nascimento efetivo de uma proto-nação, cujo desenvolvimento posterior já nos é bem conhecido.

No período colonial tivemos um série de revoltas, divididas em revoltas nativistas [1], no final do século 17 e início do século 18 (Revolta de Beckman, em 1684; Guerra dos Emboabas, 1708-09; Guerra dos Mascates, 1710-11 e Revolta de Filipe dos Santos em 1720) e revoltas emancipacionistas [2] no final do século 18 e início do 19 (Inconfidência Mineira, em 1789; Conjuração dos Alfaiates ou Inconfidência Baiana, em 1798, e a Revolução ou Insurreição Pernambucana, de 1817).

Essas insurreições foram abafadas e vencidas pela corte portuguesa. Seus líderes e principais artífices foram mortos, por vezes com crueldade, a fim de dar o exemplo à população sobre o destino daqueles que ousavam pensar de forma diferente. Na verdade, esses movimentos tiveram muito pouco daquilo que se chama “apoio popular”. O cidadão comum tocava a sua vida e esperava a resolução dos conflitos para que, por fim, organizasse as suas ações de acordo com a nova ordem estabelecida — ou, na maioria dos casos, mantida. Mais sucesso tiveram aqueles que sabiam compor com os grupos dominantes. No período regencial, não foram poucos os que, através de apoio financeiro e logístico, ganharam seus títulos de nobreza, fartamente distribuídos por Dom João VI, aproveitando-se, assim, para enriquecer às custas de bons negócios para com a corte. Nossa independência em relação a Portugal se deu por intermédio do próprio establishment português: desde a abertura dos portos na chegada da corte real em Salvador, essa já era uma seqüência histórica previsível.

Certamente, nunca foram aconselháveis, no Brasil, os enfrentamentos diretos com o poder. A oportunidade de beijar a mão do soberano gerava filas imensas no paço imperial no século 19. O monarca, representando uma figura paterna dócil e solícita, a todos recebia acompanhado de seus príncipes e nobres. Existe a tendência um tanto jocosa de entender D. João VI como um rei covarde, que fugiu de Portugal deixando seus súditos à mercê das tropas de Napoleão. Mas ele foi, igualmente, o governante que costurou o nosso estado-nação e cujos descendentes governaram o país até novembro de 1889, quando um golpe militar instituiu a República. É esse, também, o período de formação de uma elite dirigente cujos sobrenomes permanecem até hoje dando as cartas na nossa política.

Don João VI não era bobo e sua meta, antes de voltar
para Portugal foi deixar seu primogênito, Dom Pedro I, como príncipe regente. Ele já sabia sabia que a independência do Brasil era inevitável e que o monopólio extrativista português, que já fora golpeado com a abertura dos portos, em 1808 [4], se tornaria insustentável do ponto de vista político e econômico daquele momento em diante.

O grande mérito de tudo isso é que, caso a corte portuguesa não tivesse fugido para o Brasil hoje, o que chamamos de "Nossa Pátria", seria um punhado de pequenas nações com suas diversas divergências. Algo parecido com o que é o Karatê de hoje em dia.


[1] Primeiras revoltas que aconteceram no Brasil, combatiam o domínio português. Tinham um caráter nacionalista mas não pensavam em independência, tendo como objetivo a defesa dos interesses específicos de uma determinada região da colônia contra as opressões da metrópole.

[2] As revoltas emancipacionistas reivindicavam a independência, questionando o pacto colonial, a dependência e a sujeição da colônia à metrópole.

[4] Naquele período em que a Europa estava sob o bloqueio continental, a medida efetivamente beneficiou a Inglaterra.


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