No processo de se estudar uma arte oriental é inevitável que alguma coisa da filosofia do país de origem seja absorvida. Isto é especialmente verdadeiro a aqueles alunos que adentram com profundidade na arte. Na realidade, é quase axiomático que se você algum dia desejar compreender a essência de qualquer forma de arte você precisa compreender o pensar daqueles que criaram a arte.
Uma das partes mais difíceis na filosofia japonesa para o ocidental compreender é seu complexo sistema de deveres e obrigações. Tais termos com ON, NINJO, GIRI e GIMU podem ser bem confusos e mesmo se as definições forem compreendidas, elas são difíceis de serem aceitas.
Vamos começar com o conceito de “ON”. Basicamente, um ON é uma obrigação. Se alguém faz qualquer coisa por (ou para) mim, eu diria que “eu estou carregando o seu ON.” Um ON pode ser pequeno ou amplo, bom ou mal. Pode ser uma coisa insignificante, tais como um amigo comprar um cafézinho… ou um insulto maior requerendo uma satisfação. De qualquer maneira, uma vez que você tenha aceito este conceito como um modo de vida, é necessário que você mantenha um “arquivo” de todas as suas obrigações. (É considerado ruim ter que fazer lembrar ou se preocupar com as obrigações dos outros para com você).
Agora que você está vestido com todas estas obrigações - e é surpreendente quão rápido elas podem se acumular - o que vamos fazer com elas? Aquela pessoa sem dúvidas já se esqueceu que comprou um cafézinho, então porque você deve se preocupar com isto? Talvez você nunca mais o veja e mesmo se o ver, você não vai ser pego por um relâmpago se você se esquecer de que é a sua vez de comprar.
O que lhe assegura que você não se esqueça é chamado de GIRI. Você o tem ou não o tem… mas se você tiver o GIRI, você nunca se esquecerá. Chame-o de honra, dever ou o que seja… uma pessoa com GIRI, é alguém que se pode confiar, não 99.9% do tempo, mas 100% do tempo. GIRI demanda que todas as obrigações devem ser pagas em toda a extensão (com juros se requisitado). E os seus sentimentos pessoais nesta questão são completamente irrelevantes. Não importa que você não tenha querido que a pessoa comprasse o cafezinho para você – talvez você nem gostasse de café. Mas você recebeu um ON e GIRI demanda que seja saldado. Existe um velho provérbio japonês que diz “A morte é mais leve que uma pena, mas GIRI é mais pesado do que uma montanha”. É impossível ter “um pequeno GIRI.”
Um tipo especial de GIRI é conhecido como GIMU. GIMU se aplica a aqueles ON de tais magnitudes que, não importa o quanto você faça, você pode apenas dar de volta uma fração do débito. Um exemplo disto seria a obrigação do homem para a sua família ou país.
Quanto ao NINJO, isto é o que o seu coração lhe diz para fazer, e isto pode estar frequentemente em conflito com o GIRI. É uma medida do homem se quem vencerá serão os seus sentimentos pessoais (NINJO) ou a sua honra (GIRI). A sua alegria não é material. Ou você vive pelo GIRI ou sem ele.
Agora, vamos ver como isto afeta a sua vida no Dojo. Quando você é aceito num Dojo, você imediatamente recebe um ON. Mesmo que você pague a sua parte pelo aluguel do Dojo, isto de forma alguma cancela o fato de que o Sensei lhe aceitou como aluno e portanto depositou uma obrigação em você. O On é pago ao ser um BOM ALUNO. Coisas tais como mostrar respeito aos mais antigos, treinar com persistência, prestar atenção à aula, estar presente ao Dojo regularmente, tudo isto contribui em liquidar o ON original. Outras coisas menores tais como comprar um cafezinho para o Sensei ou para o Dojo não são vistos como colocar ON sobre o Sensei.
Se você prosseguir ao ponto de aceitar o Sensei como seu mestre (e por sua vez aceito como discípulo) a questão se torna mais séria. Se você considerar o GIMU em vez do GIRI é uma questão pessoal. A compreensão de que uma pessoa que altera permanentemente a sua vida e a maneira de seu pensar leva as coisas além do simples GIRI mas, isto é uma observação pessoal. Lembre-se que ninguém pode te forçar a aceitar GIRI e que se você aceitar, nunca deverá permitir que suas vontades pessoais interfiram.
Você quer um novo casaco… a sua mensalidade está atrasada. A namorada(o) quer ir ao cinema… existe uma aula programada hoje à noite no Dojo. O Sensei fez você passar vergonha na aula… ele é seu Sensei. Você ganhou uma viajem para o Caribe… mas você tem que ensinar no Dojo enquanto o Sensei está de férias. Você quer se casar… mas o seu futuro irá requerer que você gaste menos tempo no Dojo. Tudo isto são exemplos do conflito entre NINJO e GIRI. Para um homem de honra, a escolha correta é auto-evidente.
O GIRI também funciona em sentido descendente. Quando você atinge uma posição de autoridade, o GIRI requer algumas coisas de você. Na maioria dos casos, os alunos do Dojo nunca são conscientes da carga colocada sobre o Sensei até que eles próprios se tornem mestres de seu próprio Dojo. Esta é uma das razões porque você poderá notar que seu Sensei é sempre muito respeitador pelo Sensei dele (Nunca apreciamos os próprios pais até que se tenhamos uma família para criar…). A pessoa que vai dar aula… mesmo doente. A pessoa que vende seu carro… para comprar algo necessário para o Dojo. Aquele que trabalha durante a noite… para conseguir um dinheiro extra para ajudar um aluno em necessidade. A pessoa que faz coisas como estas e nunca conta a ninguém sobre isto é uma pessoa que vive pelo GIRI.
No principio do seu treinamento todo o GIRI é para cima. Entretanto cada promoção lhe põe uma nova carga do ON, tanto para cima como para baixo. O seu instrutor lhe promoveu de onde você estava, assim aumentando as suas obrigações para com ele. O novo grau também aumentou as suas responsabilidades para com os mais novos e para com o Dojo em si. Como sempre, com o grau e a autoridade vem a responsabilidade e a obrigação. Será de admirar que os mais velhos sorriem bem menos que os mais novos?
Se você não considerar todo o tema deste artigo um pouco deprimente, você deve rele-lo. GIRI NÃO É DIVERTIMENTO! Quase todos os alunos novos que entram para um Dojo perguntam sobre “treinamento espiritual”. O conceito de GIRI é uma parte do processo espiritual, uma parte importante. Se você pede para estudar O CAMINHO (DO), não se queixe se ele machucar. Você não faz uma espada acariciando um pedaço de ferro… nem você constrói um espadachim ao lhe dar a certeza de que o aluno estará sempre feliz.”
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