sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A Arte de Lutar Tão Somente Com as Mãos Vazias

Por: Adriano Barroso - Especial para o Amazônia Jornal

Atualmente, o significado mais comum para a palavra karatê é: de mãos vazias. O nome é em alusão a uma luta que não se utiliza de armas, e preza, como toda arte marcial, o desenvolvimento do corpo e da mente em harmonia.

Aliás, harmonia é o que existe de menos entre os praticantes no Pará, no Brasil e no mundo. A modalidade é motivo de muita discussão. Quatro federações disputam a representatividade do esporte no Estado do Pará. Cada uma se vale de argumentos diferentes. Mas, em uma coisa todos concordam, a divisão do karatê confunde e dificulta o crescimento da modalidade.

Política - Este é o termo mais utilizado pelos presidentes de federações para explicar tamanha divisão. Para José Ribamar Pereira, presidente da federação interestilos o problema está na falta de diálogo. “Ninguém quer ceder”.

Pedro Yamaguchi, presidente da federação Olímpica, completa. “São tantas federações que a gente está perdido”. Yoshizo Machida, da federação tradicional, até consegue ver benefício na divisão. “Atrapalha muito. Mas, tem um lado bom, porque o nível de caratê aumenta. São estilos diferente”.

No meio de toda essa confusão está a Secretaria Especial de Esporte e Lazer (Seel), para onde vão dezenas de pedidos de apoio das federações. E que, sem muitas alternativas, tenta atender os pedidos para as viagens dos atletas. “A Seel está fazendo um trabalho de investimento no esporte amador. Mas é necessário que cada federação se organize também”, exclama José Ângelo Miranda, secretário de esporte.

Para minimizar as discussões entre federações de karatê e o Governo do Estado, a Seel criou a copa das federações, evento realizado há três anos, que reúne todas as federações e estilos do karatê no Pará. “A copa das federações é uma boa saída. É um evento bonito, onde o público pode ver todos os atletas de todos os estilos”, comenta Pereira.

“A copa das federações é um campeonato forte, bonito. É a prova que, se juntar todos nós (praticantes do karatê) a modalidade pode ficar mais forte”, comenta Yamaguchi, e completa. “Somos bi-campeões da copa (2003 e 2004). A Seel não tem como ajudar quatro federações como existe hoje, se fosse só uma acredito que seríamos mais forte. A nossa federação está fazendo um estatuto para dar abertura ampla para pessoas que querem voltar”. Todos também concordam que o momento é muito complicado. “Todos os esportes amadores tem problemas com patrocinador. No caso não é diferente, e pode ser até pior por conta das muitas federações”, explica Yoshizo.

“Não vejo como as federações se unirem. Não há consenso”, opina Pereira. “Na verdade, quando um perde uma eleição, ele começa automaticamente a montar outra. É falta de companheirismo. Todos querem o poder. Nossa federação é a mais antiga, reconhecida pela Comitê Olímpico Internacional, Comitê Olímpico Brasileiro e para WKF, que é a federação internacional de karatê”, defende-se Yamaguchi.

“O problema é o seguinte: cada escola tem a sua organização. É muito difícil nós conseguirmos patrocínio por causa disso. São quatro federações, quem a Seel vai contemplar? Por isso, o secretário, criou a copa das federações, para ele ter um parâmetro. O atleta de ponta em sua federação tem seu apoio garantido. Mas não vai unificar. Isso já está na filosofia do caratê. O mestre Kanasaua achava que era um desrespeito o carateca ficar modificando o Kata. E criou a SKI; a essência do karatê está no Kata”, explica Pereira.

Karatê é composto por diversos estilos

Até que há alguma explicação para tamanha divisão. O karatê é composto por vários estilos diferentes. Há muitas escolas e filosofias. A modalidade teve início na Índia ou na China(não se sabe ao certo), há 12 séculos. A medida em que a arte foi sendo desenvolvida, estudada, cultivada e transmitida através das gerações, mudanças e contribuições foram somadas para a formação de diversos estilos.

“Essa divisão se deu por conta dos europeus - eles usam muito os pés. No Japão, por serem de estatura mais baixa, usa-se muito as mãos. No fundo é isso”, explica Machida. “Hoje em dia já existe uma interação muito maior. Antigamente ninguém se falava. Hoje em dia um já freqüenta o torneio do outro”, declara Pereira.

FPCO se diz a mais representativa

A Federação Paraense de Caratê Olímpico reclama para si a verdadeira representatividade da modalidade em Belém. “Somos a mais antiga e a mais reconhecida também”.

Pedro Yamaguchi, presidente da federação e avesso a entrevistas, aponta sua federação com altos índices de resultados e proficiência. “Somos duas vezes campeões da copa das federações. Temos atletas de nível. Essa divisão não interessa a ninguém”.

A federação existe desde 1987 e conta com 20 academias filiadas e mais de 800 atletas espalhados entre capital e interior. “São Paulo, Rio (de janeiro) Minas (Gerais) e Bahia são estados mais fortes. No Norte e nordeste, o Pará briga pela ponta”, defende Yamaguchi.

Esporte olímpico precisa de dinheiro

Por motivo da grande diversidade de estilos do karatê, ainda não existe uma organização em nível internacional voltada à modalidade como prática esportiva, o que dificultaria tanto a promoção de eventos internacionais competitivos do karatê, quanto uma padronização internacional mais preciso da luta. “O karatê não é olímpico. E acredito que dificilmente venha a ser, por causa dessa divisão. São vários estilos. Dentro dos estilos são várias escolas. Na Shotokan tem duas linhagens que não se bicam, que são a JKA e a linhagem do mestre Kanasaua da SKI.

Para Machida, da federação tradicional, as Olimpíadas não são importantes. “Para um esporte se tornar olímpico precisa de dinheiro. As olimpíadas de hoje só visa o dinheiro, o lucro. A filosofia do karatê é outra. Estamos muito mais preocupados com o campeonato mundial de karatê. Nas Olimpíadas, quem manda é o patrocinador”, dispara.

“Queremos ser olímpico sim. Trazemos isso no nome da federação. Mas antes temos que cuidar da organização”, declara Yamaguchi.

Atletas paraenses estão bem cotados

Além dos irmãos campeões brasileiros, Gabriele Pereira e Walter Rezende também são apontados como atletas bem cotados da federação Interestilos. Por coincidência ou não, todos eles pertencem a academia de Pereira. Este mês, os atletas viajam para o brasileiro do estilo, em Maceió (AL). Levam na bagagem muita determinação e algum desapontamento. “Poderíamos levar muito mais atletas do que a gente leva, mas nós não temos apoio para todos. Então os atletas de ponta são os eleitos”.

Em relação a discussão entre as federações, Pereira explica que o problema está na filosofia. “A base de todas essas federações é o estilo Shotokan. Ás vezes o pessoal confunde. A diferença está na filosofia”. E aponta a Lei Zico como causadora de toda essa confusão. “A lei Zico abriu espaço para essa divisão.

Eu também acho que isso enfraquece demais o karatê, porque, se numa competição nossa, conseguimos colocar 200 atletas, imagina se fossem todos unidos”.

Federação por federação no karatê

A federação paraense de karatê Interestilos foi criada há 12 anos. José Ribamar Pereira é o segundo presidente. Antes dele, Florentino Brito ficou 9 anos no poder. Hoje em dia, a federação conta com 12 academias filiadas e cerca de 200 atletas. “A gente trabalha com o povo do interior. Temos representantes em vários municípios do Estado. Nossa meta é descentralizar”, explica Pereira.

Segundo Pereira, o estilo é bastante promissor no Estado. Mas encontra ainda grande dificuldade em investimento no esporte. “Nosso principal problema é igual a todo o esporte amador, o patrocínio”.

A federação interestilo, assim como as outras federações, vive das taxas e contribuições de atletas. “Nossa federação não recebe recursos de ninguém. A Seel contribui com viagens e ajuda nas premiações para os nossos campeonatos. Isso não é o suficiente. Mas entendo a situação”, explica Pereira.

“Nossa academia, pode-se dizer, que é bem familiar. Treinam famílias inteiras aqui. temos famílias com 5 ou 6 pessoas treinando. Está havendo uma inversão. Antigamente era o pai que levava o filho para a academia. Hoje em dia é o filho quem está trazendo o pai. Eles ficam olhando, gostam e acabam entrando” explica Pereira, que aponta os irmãos Felipe Nunes e Eduardo Nunes como atletas de ponta de sua federação.

Número de praticantes aumenta em Belém

Alheio a disputa de federações, é crescente o número de praticantes do esporte em Belém. Para Regiane Freire, 30, mãe de dois filhos, todos praticantes de karatê, o esporte é importante na formação. “Eu queria que eles (os filhos) praticassem um esporte. Procurei o karatê porque ele preza a disciplina”, declara Freire.

A mãe dedicada também acabou cedendo aos apelos do esporte. “Meu marido resolveu praticar para incentivar as crianças, e depois eu também entrei. Está sendo ótimo”.

Regiane é faixa laranja, e o resto da família já está na roxa. A filha mais nova de Regiane, Vitória, de 7 anos, encontrou no esporte sua melhor brincadeira. “Eu gosto daqui. Fico esperando a hora de vir para o treino”, comenta a menina, que, pelo seu desempenho nos treinos carrega grandes possibilidades de ser uma futura campeã.

“Não é um esporte violento. Desde quando começaram a praticar o esporte, os meninos tem se desenvolvido melhor na escola”, explica Regiane.

A pequena Vitória se transforma ao entrar no tatame. De tímida, a menina passa a ser uma dedicada aprendiz em questão de segundos, aplicando os golpes com segurança e graça. “Eu quero treinar até virar campeã”, assegura Vitória.

Machida aposta na formação de professores

Na federação de karatê tradicional, 12 academias são associadas e mais de 800 atletas filiados. Yoshizo Machida, 8º Dan, e presidente da federação aponta ganho nos últimos anos, através da realizações de torneios importantes e em níveis nacionais. “Só este ano já realizamos campeonatos de grande vulto, como o paraense e o brasileiro de Shotokam. Isso dá aos nossos atletas maior competitividade”, comenta Machida.

Machida, em sua gestão, está voltado para a formação dos professores de karatê. “Antigamente você podia treinar no fundo de quintal. Hoje não. precisa ser formado em Educação Física, ou ter cursos para encabeçar uma turma de alunos. Nossa federação se preocupa com a formação do professor. Ser só faixa preta não significa que pode ensinar. Ele tem que colocar na cabeça que ele é um educador, mais que professor”.

Para o mestre, 8º dan, o karatê não pode se distanciar de sua filosofia. O karatê deve servir à formação pessoal do ser humano. “Nosso objetivo não é fazer campeão. É educar. É dar confiança a você mesmo. Corpo, técnica e espírito. Atingir esse conjunto é que chamamos de campeão. Não é campeão de competição, mas dentro, com você mesmo. Poder controlar o próprio corpo e a mente é o que faz de você um campeão”. Na próxima semana, os atletas da federação estão viajando para Curitiba, para a disputa do campeonato brasileiro do estilo. Doze atletas da tradicional vão disputar os títulos adulto e juvenil.

Paraenses na seleção brasileira

Enquanto uns estão indo, outros estão voltando. Os atletas paraenses de karatê olímpico acabam de retornar do campeonato sulamericano do estilo, em Recife (PE), com vitórias na bagagem.

Duas atletas paraenses integraram a seleção brasileira de Caratê Olímpico no Campeonato Sulamericano que foi disputado na semana passada.

O Brasil levou o título, e o Estado do Pará trouxe um grande resultado. A atleta Adélia Rocha, foi vice-campeã da modalidade. “Achei que nunca iria chegar a minha vez”, declarou a atleta de 30 anos e praticante da modalidade há 20.

“Eu tive que passar por uma seletiva nacional (Abril)onde fui campeã. Eu e a Vanessa Vieira ganhamos a chance de integrar a seleção” lembra Adélia.

Segundo a atleta, o resultado conquistado não era previsto. “Eu não estava tão otimista assim, mas confiei no meu trabalho. As lutas não foram tão difícies.”

Adélia também é uma das torcedores pela união das federações em Belém. “Seríamos mais fortes se todos se unissem”, declara a atleta, que espera ansiosa novas convocações. “Eu tô aguardando o Pan-americano e o Mundial. Espero que eu esteja lá”.

Muito cacique para poucos índios

A expressão nunca foi tão bem aplicada. Interestilos, Tradicional, Olímpico, interestilo de novo. O karatê se divide ao longo dos anos, no Estado.

José Ribamar Pereira afirma que a confusão é tão grande, que muitos nem sabem qual estilo de caratê estão praticando. “Aqui em Belém tem umas que praticam a JKA pura, e outras que nem sabem o que praticam. Ainda falta um pouco de estudo aos próprios professores para saber realmente o que estão fazendo. Falta informação. Tem muita gente que escuta o galo cantar e não sabe onde. Nossa federação tem apostado nisso, na informção. O nosso atleta sabe quais são as linhagens”.

“É preciso que se entenda que o caratê tem muitos estilos. Muitas escolas. Dificilmente colocaremos todas numa só organização”, explica Machida.
Yamaguchi rebate. “No Japão tem a confederação de estilos. Mas temos um único comandante que é JKA, ela é quem comanda. Deveria se assim no mundo todo. Aqui também”.

Pereira explica que as diferenças são poucas, mas decisivas. “As diferenças são sutis no Kata. Se o atleta não estiver informado que naquela linhagem faz assim (gesticula), ele pode pensar que está errado. Até em termos de arbitragem temos furo. Tem muitos que se confundem. Ás vezes ele desconta pontos do atleta porque não sabe qual linhagem está sendo utilizada”.

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